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quinta-feira, 9 de abril de 2009

E o filho do meio?

As relações entre irmãos, o primogênito, o caçula e o do meio, muito comuns no passado, praticamente inexistem nos dias de hoje. Psicólogos questionam se a atual opção por famílias reduzidas pode deixar suas marcas na formação dos filhos.
Texto: Margareth Azevedo

Sanduíche de gente
Bem-sucedidos em suas áreas de atuação, Frank Sinatra e Cazuza eram filhos únicos; Sigmund Freud e Wiston Churchill, primogênitos; Gandhi e Margareth Tatcher, caçulas; Ayrton Sena, filho do meio. Para as novas gerações, esses modelos não significam absolutamente nada, mas para quem já passou dos 40, a ordem de chegada do filho na casa teve alguma conseqüência, para ele próprio ou para seus pais. Era o tempo da sociedade patriarcal quando o comum eram os casais terem uma “escadinha” de filhos, em que pontificavam os irmãos mais velhos, os mais novos e a turma do meio. Nos dias de hoje, essa relação praticamente inexiste, pois a opção das famílias é por apenas um ou, quando muito, dois filhos. Sem entrar no mérito das causas, quase sempre econômicas ou profissionais, o fato é que vem desaparecendo a figura do irmão, importante na criação de referências pessoais. Naquelas famílias mais antigas, de nossos pais e avós, por exemplo, era bem definido esse papel dos irmãos e até mesmo o padrão comportamental deles. De certa maneira, algumas rusgas e comentários ainda persistem entre os de mais de 40, porém, de forma velada. “Meu irmão mais novo sempre foi o queridinho da mamãe.” “Fulana não casou, por isso, como filha mais velha, coube a ela cuidar dos pais”, “Como filha do meio sempre fiquei ‘sobrando’. Meu pai e minha mãe estavam sempre preocupados com meu irmão mais velho ou com minha irmã caçula”, entre outros mais picantes. A pergunta que se faz é: “O fato de ser o filho primogênito, do meio, caçula ou único influencia na tomada de decisões das pessoas na vida adulta? A respeito, um dado interessante é levantado pelo especialista em Psicologia Analítica (Jung), Mitologia e Antropologia, o psicólogo clínico Mauro Godoy. Ele comenta pesquisas realizadas nos Estados Unidos que apontam para o elevado percentual (40%) de dirigentes de empresas, todos filhos do meio. “No livro Born to Rebel, de Frank Sulloway, consta que os filhos mais velhos ou únicos tendem a ser mais conservadores e obedientes. Os caçulas e os do meio seriam propensos a levar a vida menos a sério”, emenda. Segundo o psicólogo, a personalidade dos irmãos varia conforme o nascimento, pois eles adotam diferentes posturas e estratégias em busca da aprovação dos pais. “O filho do meio ou o `filho-sanduíche’ tem que lutar sempre para que sobre um pouco da atenção dos pais, dividida entre o mais velho, o desbravador, e o mais novo, o queridinho. Essa luta por espaço o faz transitar entre ser o manhoso e o ser tranqüilão”, define. Promoção A tendência do primogênito de carregar as expectativas dos pais acaba com a chegada do segundo filho. O comportamento da criança tende a se alterar; ela pode ficar agressiva e ter ciúmes. Esses traços, de certa forma, justificam a insatisfação ou mesmo se revelam como uma maneira de chamar a atenção. “Entre 3 e 7 anos, que é a idade do Édipo, isso vai ficar bem mais forte. Fora dessa faixa, a situação é mais amena”, constata Godoy, que explica não haver grande diferença entre a reação de meninos e meninas primogênitos. No caso das meninas, elas tendem a se adaptar mais a essas mudanças. Para o filho do meio, a chegada de um terceiro herdeiro pode provocar uma sensação de substituição, porém, ele nunca foi o único, porque existe o maior. Portanto, não sofre com a sensação de troca como o primogênito, pois nunca teve exclusividade. “Através das pesquisas que fiz, constatei que ocorre o contrário. O filho do meio tem a sensação de satisfação; é como se fosse uma situação de promoção. Incomoda apenas o fato de ser o menor, o inferior, o pequeno”, comenta o psicólogo. Os pais tendem a adotar com o filho do meio as mesmas atitudes que tiveram com o primogênito, quando oferecem presentes ou compensações. Mas essa é uma condição totalmente diferente da do filho mais velho. “É óbvio que o filho do meio vai adorar essa brincadeira, porém, ele não vê muito o porquê disso”, afirma Godoy. Competição Embora os pais afirmem não fazer distinções entre seus filhos, o especialista explica que os rótulos são inevitáveis. “É uma questão de tamanho, de idade, de amadurecimento ou não. Por mais que afetivamente exista essa necessidade de comparação, na prática, os pais convivem com um filho que já aprendeu e outro que está aprendendo. Isso torna impossível haver uma igualdade. E quanto mais diferença de idade, pior”, enfatiza. A disputa pelo amor dos pais, o conflito entre os irmãos, é antropológico, conforme Godoy. Sempre existiu na humanidade e faz com que as pessoas aprendam a se relacionar socialmente. Essa convivência permite o aprendizado de muitos valores, tais como competição, rivalidade, solidariedade. “É saudável ter irmãos, pois mais tarde a pessoa se relacionará, no seu dia-a-dia, com outras. Isso é o que denominamos de relação interpessoal, quando não inclui afeto”, destaca. Além de serem os primeiros rivais e amigos, os irmãos são modelos no aprendizado. Hoje em dia, nem sempre o pai e a mãe estão presentes integralmente na educação dos filhos. Nesses casos, é comum o mais velho ocupar o papel do pai. Mas ele é apenas mais uma referência para a criança. O psicólogo detalha: “É um processo gradativo em que a pessoa não só observa os pais como também os outros, até adquirir uma forma própria.” Em extinção Godoy observa que na maior parte das vezes, o primogênito recebe dos pais respeito, e o caçula apoio. O filho do meio fica sobrando. Ele descobre o caminho da porta de saída com mais facilidade e logo aprende a andar com suas próprias pernas. “Isto se aprender a cuidar de si, tornando-se sua própria mãe, e resolver seus problemas, como pai de si mesmo. Caso contrário, amargará o desleixo do abandonado assumido. É o ex-caçula que se emancipou no dia em que o próximo irmão nasceu, perdendo assim o horrível estigma de ser ‘o menor’. Pode ser que esta sensação de ser promovido torne-se comum durante a vida.” Mas é importante destacar que a figura do filho do meio é cada vez mais rara, diante da freqüente decisão dos casais de optarem por um ou dois filhos. No seu entender, a síndrome do filho único, que se espalha em diversos países do mundo, resulta num ser diferenciado pela família. Ele recebe todo o amor e expectativa dos pais, avós e tios já que também é o único neto e sobrinho. Este “príncipe da casa” tem sua majestade ignorada em outros locais, seja na escola, na rua ou até no playground do prédio. A sociedade desconhece sua exclusividade. “É um fator que pode indicar pessoas mais dependentes ou complicadas, que já observamos hoje e enxergamos para o futuro. Pela lógica, alguém terá que liderar, só que serão lideres mais problemáticos. Pobres de nós que, dentro de algumas décadas, seremos administrados por representantes únicos, criados para adorar os seus próprios umbigos”, finaliza Godoy.

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